domingo, 27 de julho de 2008

Paulo Freire: conscientização: teoria e prática da libertação


[...] a educação, como prática da liberdade, é um ato de conhecimento, uma aproximação crítica da realidade. p. 25

Num primeiro momento a realidade não se dá aos homens como objeto cognoscível por sua consciência crítica. Noutros termos, na aproximação expontânea que o homem faz do mundo, a posição normal fundamental não é uma posição crítica mas uma posição ingênua. A este nível espontâneo, o homem ao aproximar-se da realidade faz simplesmente a experiência da realidade na qual ele está e procura. p. 26

A conscientização não pode existir fora da “práxis”, ou melhor, sem o ato ação-reflexão. Esta unidade dialética constitui, de maneira permanente, o modo de ser ou de transformar o mundo que caracteriza os homens. Por isso mesmo, a conscientização é um compromisso histórico. É também cosciência histórica: é inserção crítica na história, implica que os homens assumam o papel de sujeitos que fazem e refazem o mundo. Exige que os homens criem sua existência com um material que a vida lhes oferece. p. 26

A conscientização, como atitude crítica dos homens na história, não terminará jamais. Se os homens, como seres que atuam, continuam aderindo a um mundo “feito”, ver-se-ão submersos numa nova obsecuridade. p. 27

[...] o processo de alfabetização política – como o processo linguístico – pode ser uma prática para a “domesticação dos homens”, ou uma prátca para sua libertação. [...] Daí uma ação desumanizante, de um lado, e um esforço de humanização, de outro. p. 27

A conscientização nos convida a assumir uma posição utópica frente ao mundo, posição esta que converte o conscientizado em “fator utópico”. Para mim o utópico não é o irrealizável; a utopia não é o idealismo, é a dialetização dos atos de denunciar e anunciar, o ato de denunciar a estrutura desumanizante e de anunciar a estrutura humanizante. Por esta razão a utopia é também um compromisso histórico. p. 27

A utopia exige o conhecimento crítico. É um ato de conhecimento. Eu não posso denunciar a estrutura desumanizante se não a penetro para conhecê-la. Não posso anunciar se não conheço, mas entre o momento do anúncio e a realização do mesmo existe algo que deve ser destacado: é que o anúncio não é anúncio de um anteprojeto, porque é na práxis histórica que o anteprojeto se torna projeto. É atuando que posso transformar meu anteprojeto em projeto; na minha biblioteca tenho um anteprojeto que se faz projeto por meio da práxis e não por meio do blábláblá. p. 28

Além disso, entre o anteprojeto e o momento da realização ou da concretização, há um tempo que se denomina tempo histórico; é precisamente a história que devemos criar com nossas mãos e que devemos fazer; é o tempo das transformações que devemos realizar; é o tempo do meu compromisso histórico. [...] Somente podem ser proféticos os que anunciam e denunciam, comprometidos permanentemente num processo radical de transformação do mundo, para que os homens possam ser mais. Os homens reacionários, os homens opressores não podem ser utópicos. Não podem ser proféticos e, portanto, não podem ter esperança. p. 28

Os homens enquanto “seres-em-situação” encontram-se submersos em condições espaço-temporais que influem neles e nas quais eles igualmente influem. [...] Refletirão sobre seu caráter de seres situados, na medida em que sejam desafiados a atuar. Os homens são porque estão situados. Quanto mais refletirem de maneira crítica sobre sua existência, e mais atuarem sobre ela, serão mais homens. p. 33

Cada relação de um homem com a realidade é [...] um desafio ao qual deve responder de maneira original. [...] O importante é advertir que a resposta que o homem dá a um desafio não muda só a realidade com a qual se confronta: a resposta muda o próprio homem, cada vez um pouco mais, e sempre de modo diferente. [...] pela ação e na ação, é que o homem se constrói como homem. p. 37


PRÁXIS DA LIBERTAÇÃO

Mas quase sempre, durante a fase inicial do combate, em lugar de lutar pela liberdade, os oprimidos tendem a converter-se eles mesmos em opressores ou em “subopressores”. A própria estrutura de seu pensamento viu-se condicionada pelas contradições da situação existencial concreta que os manipulou. Seu ideal é serem homens, mas, para eles, serem homens é serem opressores. Este é seu modelo de humanidade. Tal fenômeno provém de que os oprimidos, num dado momento de sua experiência existencial, adotam uma atitude de “adesão” em relação ao opressor. Nestas condições lhes é impossível “vê-lo” com suficiente lucidez para objetivá-lo, para descobri-lo “fora de si mesmos”. p. 57-58

Em sua alienação, os oprimidos querem a todo custo parecer-se com o opressor, imitá-lo, segui-lo. Este fenômeno é comum, sobretudo nos oprimidos de classe média, que aspiram igualar-se aos homens “eminentes” da classe superior. Alberto Memmi, numa excepcional análise da “mentalidade colonizada”, refere-se ao desprezo que o oprimido sente pelo colonizador, juntamente com uma “apaixonada” atração por ele. p. 60

O desprezo por si mesmo é outra característica do oprimido, que provém da interiorização da opinião dos opressores sobre ele. Ouvem dizer tão frequentemente que não servem para nada, que não podem aprender nada, que são débeis, preguiçosos e improdutivos que acabam por convencer-se de sua própria incapacidade. p. 61

[...] os oprimidos são emocionalmente dependentes. p. 61

Ser silencioso não é não ter uma palavra autêntica, mas seguir as prescrições daqueles que falam e impõem sua voz. Alcançar o estado de “ser-para-si-mesmos” representa para as sociedades subdesenvolvidas o que eu chamo a possibilidade “não-experimentada”. p. 62

[...] a modernização traz consigo “a invasão cultural” que deforma o ser da sociedade invadida, a qual chega a ser uma espécie de caricatura de si mesma. p. 63

[...] Da mesma forma que há um momento de surpresa nas massas quando começam a ver o que antes não viam, há uma surpresa correspondente nas elites quando começam a sentir-se desmascaradas pelas massas. Este duplo “des-velar-se” provoca inquietudes tanto nuns como noutros. As massas chegam a sentir-se desejosas de liberdade, desejosas de superar o silêncio no qual sempre haviam permanecido. As elites sentem-se desejosas de manter o “status quo”, não permitindo senão transformações superficiais para impedir toda mudança real em seu poder de dominar. p. 69

[...] As artes deixam progressivamente de ser a simples expressão da vida fácil da burguesia rica e começam a encontrar inspiração na dura vida do povo. Os poetas começam a não descrever meramente seus amores perdidos – ou então, o tema do amor perdido chega a ser menos triste, mais objetivo e mais lírico - , não falam já do trabalhador dos campos como de um conceito abstrato e metafísico, mas como de um homem concreto que vive uma vida concreta. p. 69


REFERÊNCIA

FREIRE, Paulo. Conscientização: teoria e prática da libertação: uma introdução ao pensamento de Paulo Freire. 3. ed. São Paulo: Centauro, 1980. 102 p.
http://bibliotecariomaluco.blogspot.com/2008/01/conscientizao-teoria-e-prtica-da.html

PAULO FREIRE

Paulo Freire : Biografia resumida - O caminho de um Educador

Nasceu em Recife em 1921 e faleceu em 1997. É considerado um dos grandes pedagogos da atualidade e respeitado mundialmente. Em uma pesquisa no Altavista encontramos um número maior de textos escritos em outras línguas sobre ele, do que em nossa própria língua.
Embora suas idéias e práticas tenham sido objeto das mais diversas críticas, é inegável a sua grande contribuição em favor da educação popular.
Publicou várias obras que foram traduzidas e comentadas em vários países.
Suas primeiras experiências educacionais foram realizadas em 1962 em Angicos, no Rio Grande do Norte, onde 300 trabalhadores rurais se alfabetizaram em 45 dias.
Participou ativamente do MCP (Movimento de Cultura Popular) do Recife.
Suas atividades são interrompidas com o golpe militar de 1964, que determinou sua prisão. Exila-se por 14 anos no Chile e posteriormente vive como cidadão do mundo. Com sua participação, o Chile, recebe uma distinção da UNESCO, por ser um dos países que mais contribuíram à época, para a superação do analfabetismo.
Em 1970, junto a outros brasileiros exilados, em Genebra, Suíça, cria o IDAC (Instituto de Ação Cultural), que assessora diversos movimentos populares, em vários locais do mundo. Retornando do exílio, Paulo Freire continua com suas atividades de escritor e debatedor, assume cargos em universidades e ocupa, ainda, o cargo de Secretario Municipal de Educação da Prefeitura de São Paulo, na gestão da Prefeita Luisa Erundina, do PT.
Algumas de suas principais obras: Educação como Prática de Liberdade, Pedagogia do Oprimido, Cartas à Guiné Bissau, Vivendo e Aprendendo, A importância do ato de ler.

Pedagogia do Oprimido

Para Paulo Freire, vivemos em uma sociedade dividida em classes, sendo que os privilégios de uns, impedem que a maioria, usufrua dos bens produzidos e, coloca como um desses bens produzidos e necessários para concretizar o vocação humana de ser mais, a educação, da qual é excluída grande parte da população do Terceiro Mundo. Refere-se então a dois tipos de pedagogia: a pedagogia dos dominantes, onde a educação existe como prática da dominação, e a pedagogia do oprimido, que precisa ser realizada, na qual a educação surgiria como prática da liberdade.
O movimento para a liberdade, deve surgir e partir dos próprios oprimidos, e a pedagogia decorrente será " aquela que tem que ser forjada com ele e não para ele, enquanto homens ou povos, na luta incessante de recuperação de sua humanidade". Vê-se que não é suficiente que o oprimido tenha consciência crítica da opressão, mas, que se disponha a transformar essa realidade; trata-se de um trabalho de conscientização e politização.
A pedagogia do dominante é fundamentada em uma concepção bancária de educação, (predomina o discurso e a prática, na qual, quem é o sujeito da educação é o educador, sendo os educandos, como vasilhas a serem enchidas; o educador deposita "comunicados" que estes, recebem, memorizam e repetem), da qual deriva uma prática totalmente verbalista, dirigida para a transmissão e avaliação de conhecimentos abstratos, numa relação vertical, o saber é dado, fornecido de cima para baixo, e autoritária, pois manda quem sabe.
Dessa maneira, o educando em sua passividade, torna-se um objeto para receber paternalisticamente a doação do saber do educador, sujeito único de todo o processo. Esse tipo de educação pressupõe um mundo harmonioso, no qual não há contradições, daí a conservação da ingenuidade do oprimido, que como tal se acostuma e acomoda no mundo conhecido (o mundo da opressão)- -e eis aí, a educação exercida como uma prática da dominação.

A Concepção Problematizadora da Educação


Ensinar exige estética e ética
Paulo Freire

A necessária promoção da ingenuidade à criticidade não pode ou não deve ser feita à distância de uma rigorosa formação ética ao lado sempre da estética. Decência e boniteza de mãos dadas. Cada vez me convenço mais de que, desperta com relação à possibilidade de enveredar-se no descaminho do puritanismo, a prática educativa tem de ser, em si, um testemunho rigoroso de decência e de pureza. Uma crítica permanente aos desvios fáceis com que somos tentados, às vezes ou quase sempre, a deixar as dificuldades que os caminhos verdadeiros podem nos colocar.

Mulheres e homens, seres histórico-sociais, nos tornamos capazes de comparar, de valorar, de intervir, de escolher, de decidir, de romper, por tudo isso, nos fizemos seres éticos. Só somos porque estamos sendo. Estar sendo é a condição, entre nós, para ser. Não é possível pensar os seres humanos longe, sequer, da ética, quanto mais fora dela. Estar longe ou pior, fora da ética, entre nós, mulheres e homens, é uma transgressão. É por isso que transformar a experiência educativa em puro treinamento técnico é amesquinhar o que há de fundamentalmente humano no exercício educativo: o seu caráter formador. Se se respeita a natureza do ser humano, o ensino dos conteúdos não pode dar-se alheio à formação moral do educando. Educar é substantivamente formar.

Divinizar ou diabolizar a tecnologia ou a ciência é uma forma altamente negativa e perigosa de pensar errado. De testemunhar aos alunos, às vezes com ares de quem possui a verdade, um rotundo desacerto. Pensar certo, pelo contrário, demanda profundidade e não superficialidade na compreensão e na interpretação dos fatos . Supõe a disponibilidade à revisão dos achados, reconhece não apenas a possibilidade de mudar de opção, de apreciação, mas o direito de fazê-lo. Mas como não há pensar certo à margem de princípios éticos, se mudar é uma possibilidade e um direito, cabe a quem muda - exige o pensar certo - que assuma a mudança operada. Do ponto de vista do pensar certo não é possível mudar e fazer de conta que não mudou. É que todo pensar certo é radicalmente coerente.


Referência bibliográfica
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 15. ed. São Paulo : Paz e Terra, 2000. p 36-37
http://www.centrorefeducacional.com.br/paulo.html

Obras do educador Paulo Freire:


A propósito de uma administração. Recife: Imprensa Universitária, 1961.
Conscientização e alfabetização: uma nova visão do processo. Estudos Universitários – Revista de Cultura da Universidade do Recife. Número 4, 1963: 5-22.
Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1967.
Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1970.
Educação e mudança. São Paulo: Editora Paz e Terra, 1979.
A importância do ato de ler em três artigos que se completam. São Paulo: Cortez Editora, 1982.
A educação na cidade. São Paulo: Cortez Editora, 1991.
Pedagogia da esperança. São Paulo: Editora Paz e Terra, 1992.
Política e educação. São Paulo: Cortez Editora, 1993.
Cartas a Cristina. São Paulo: Editora Paz e Terra, 1974.
À sombra desta mangueira. São Paulo: Editora Olho d’Água, 1995.
Pedagogia da autonomia. São Paulo: Editora Paz e Terra, 1997.
Mudar é difícil, mas é possível (Palestra proferida no SESI de Pernambuco). Recife: CNI/SESI, 1997-b.
Pedagogia da indignação. São Paulo: UNESP, 2000.
Educação e atualidade brasileira. São Paulo: Cortez Editora, 2001.

http://www.suapesquisa.com/paulofreire/

PAULO FREIRE: VIDA E OBRA

CRONOLOGIA:

1921 – Nasceu no Recife-PE-Brasil Paulo Reglus Neves Freire

1927 – Paulo Freire, alfabetizado pelos pais, inicia seus estudos na escolinha particular da professora Eunice Vasconcelos

1929 – Quebra da Bolsa de Nova York – a crise afeta drasticamente o mercado brasileiro

1931 – A família Freire muda para Jaboatão-PE, a 18 quilômetros distante de Recife

1934 – Paulo Freire perde seu pai, com quem tinha muita afetividade e amor

1937 – Paulo Freire ingressa no Colégio Oswaldo Cruz (COC) do Recife para cursar, tardiamente, o 2o ano secundário

1943 – Inicia o curso de Direito na Faculdade de Direito do Recife (hoje anexada à Universidade Federal do Pernambuco – UFPE)

1944 – Paulo Freire casa-se com a professora primária Elsa Maria Costa Oliveira – com quem viveu uma intensa paixão, de dedicação

1944 – De aluno, Paulo Freire, passa a professor de Língua Portuguesa do Colégio Oswaldo Cruz

1944 – Os Pracinhas da FEB são enviados ao combate na 2a Grande Guerra, na Itália. Paulo Freire foi dispensado por estar exercendo docência

1947 – Realização do I Congresso Nacional de Educação de Adultos

1947/1954 – Trabalhou como diretor do Setor de Educação e Cultura do serviço Social da Industria (SESI). Foi nesse período que ele aprendeu a dialogar com a classe trabalhadora . Por meio da prática tornou-se um educador

1954/1957 – Exerceu o cargo de superintendente do SESI

1956 – Nomeado membro do Conselho Consultivo de Educação do Recife

1958 – Apresentou no II Congresso Nacional de Educação de Adultos o relatório intitulado “A Educação de Adultos e as populações marginais: o problema dos mocambos”

1959 – Paulo Freire escreveu “Educação e Atualidade Brasileira” tese que concorreu a cadeira de professor de História e Filosofia da Escola de Belas Artes do Recife

1961 – Paulo Freire assume o cargo de diretor da divisão de Cultura e Recreação do Departamento de Documentação e Cultura da Prefeitura Municipal do Recife

1961 – Assumiu a cadeira de Professor Efetivo de Filosofia e História da Educação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade do Recife (hoje UFPE)

1961 – O presidente da Republica Jânio Quadros renuncia após quase oito meses de governo. Os militares resistem em entregar o poder ao vice presidente João Goulart

1961/1962 – Paulo Freire desenvolve as primeiras experiências de alfabetização de adultos nos municípios de Angicos (RN) e Mossoró (RN) – utilizando o sistema “Método Paulo Freire” de alfabetização.

1962 – Em Angicos alfabetiza 300 trabalhadores rurais em 45 dias

1963 – Paulo Freire desenvolve um trabalho de alfabetização de adultos no Gama-DF – utilizando o sistema “Método Paulo Freire” de alfabetização.

1964 – É criado pelo presidente João Goulart o “Plano Nacional de Adultos”. Sua coordenação sob os cuidados de Paulo Freire, que tinha como objetivo alfabetizar, conscientizando e politizando, 5 milhões de adultos em dois anos

1964 – Golpe de Estado no Brasil – Golpe Militar

1964 – Paulo Freire ficou preso (prisão política) por dois meses e meio

1964 – Paulo Freire exila-se na Bolívia por poucos dias, e durante a sua estada ocorre um golpe de estado neste país. Em seguida exila no Chile

1964/1969 – Trabalhou no Instituto de Capacitação e Investigação em Reforma Agrária (ICIRA) na reformulação do Plano de Educação e Massa do Chile. Professor da Universidade Católica de Santiago do Chile

1967 – Publica o livro “Educação como pratica da liberdade

1969 – Convidado para trabalhar na Universidade de Harvard-EUA e pelo Conselho Mundial da Igrejas em Genebra-Suíça. Decide ir para Harvard onde permanece por dez meses.

1970 – Publica o livro “Pedagogia do Oprimido

1970 – Paulo Freire muda para Genebra para trabalhar como consultor do Departamento de Educação do Conselho Mundial de Igrejas.

1971 – É fundado o Instituto de Ação Cultural (IDAC) por Paulo Freire e um grupo de brasileiros

1975/1977 – Paulo Freire e sua equipe do IDAC contribuiu para o desenvolvimento do Programa Nacional de Alfabetização da Guiné-Bissau

1975/1978 – Paulo Freire trabalhou em São Tomé e Príncipe como educador militante da causa da libertação dos oprimidos

1979 – O presidente da republica João Baptista Figueiredo sanciona a lei que concede anistia aos exilados políticos

1980 – Depois de 16 anos Paulo Freire volta do exílio – marcando nova etapa na sua vida: “reaprender o Brasil”, palavras dele

1980 – Paulo Freire começa a trabalhar como docente na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP)

1980/1990 – Professor da Universidade Estadual de Campinas UNICAMP)

1984 – Diretas Já – Movimento nacional em prol da redemocratização política do Brasil

1986 – Falece Elsa Maria Costa Oliveira, a esposa de Paulo Freire que o acompanhou durante todo o seu exílio.

1986 – Recebe o prêmio “Educação para a Paz” da UNESCO em Paris-França

1988 – O segundo casamento de Paulo Freire, com Ana Maria Araújo Freire

1989 – Primeira eleição direta para presidente do Brasil depois do Golpe de 64

1989 – Paulo Freire assume a Secretaria de Educação do Município de São Paulo, no pleito da prefeita Luiza Erudina de Sousa do Partido dos Trabalhadores.

1990/1993 – Paulo Freire o então Secretário de Educação do Município de São Paulo propõe e implementa o projeto MOVA-SP – Movimento de Alfabetização do Município de São Paulo

1992 – Publica o livro “Pedagogia da Esperança” – reencontra a pedagogia do oprimido

1996 – Publica o seu último livro “Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa”

1997 – Falece Paulo Freire. Dito seu: …ao fazer a docência o meio da minha vida, eu termino transformando a docência no fim de minha vida”

http://paje.fe.usp.br/~etnomat/PauloFreirePortugues.htm

quinta-feira, 17 de julho de 2008

MÉTODO PAULO FREIRE: UMA CONTRIBUIÇÃO PARA A HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA

V Colóquio Internacional Paulo Freire – Recife, 19 a 22-setembro 2005

MÉTODO PAULO FREIRE: UMA CONTRIBUIÇÃO PARA A HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA
Letícia Rameh
(www.paulofreire.org.br/pdf/comunicacoes_orais/MÉTODO%20PAULO%20FREIRE-%20UMA%20CONTRIBUIÇÃO%20PARA%20A...)

RESUMOO
O presente ensaio tem como objetivo discutir sobre a importância do Método Paulo Freire e sua contribuição ao Sistema Educacional Brasileiro no início dos anos 60, mostrando os reflexos deste método tanto na Alfabetização de Jovens e Adultos como em outras áreas de ensino que abrangem até a Universidade. Este estudo parte da contextualização histórica do Brasil dos anos 60 no período anterior e posterior ao golpe militar, para mostrar as mudanças que ocorreram na educação brasileira a partir da implantação do método e os mecanismos utilizados pelo aparelho repressivo do Estado para coibir a ação educativa proposta pelos movimentos de educação assentados nas propostas freireanas.Utilizou-se para realização deste estudo a pesquisa bibliográfica, leituras em periódicos especializados e entrevistas com pessoas que vivenciaram a implantação do método em Recife (PE), Angicos (RN) e posteriormente por todo o Brasil. Paulo Freire empreendeu através de seu método uma forma de alfabetizar respaldada no diálogo e na conscientização, propiciando educando motivados, desinibidos e autoconfiantes. Freire estudou, pensou, refletiu, pesquisou e propôs uma educação emancipadora para o trabalhador e a trabalhadora. Ao final da análise, conclui-se que, as categorias: conscientização e diálogo se constituem nas bases sobre o qual se aporta o Método Freireano.Palavras-chave: Método Paulo Freire – Conscientização – Diálogo.

INTRODUÇÃO

Para iniciar essa discussão acredito ser importante nos reportar ao conceito de Sistema do Dicionário Crítico de Sociologia onde Boudon e Bourricaud (2000, p.504) citam Bertalanffy que entende "sistema como um conjunto de elementos interdependentes, isto é , ligados entre si por relações tais que, se uma for modificada, as outras também serão e, consequentemente, todo o conjunto se transformará". A definição lembra a de Condillac:"Uma ordem em que todas as diferentes partes se sustentam mutuamente".Daí, pensar que uma organização se define por um sistema de papéis, portanto, a modificação de um elemento do conjunto poderá modificar o sistema.Para discutir o Método Paulo Freire, citarei a definição de método do Dicionário de Filosofia. Lalande (1999, p.678), define etmologicamente, como "demanda" e, por consequência, esforço para atingir um fim, investigação, estudo. Este conceito sobre método vem desde Aristóteles como investigação. Acredito que tenha sido o que Freire observou, de como se aprende e como se ensina de forma crítica a partir da realidade do/a educando/a, consequentemente surgindo o seu método.Aurenice Cardoso (1963) salienta que a alfabetização no Sistema Paulo Freire é uma conseqüência da conscientização, onde as atividades partem da cultura dos analfabetos, sendo desenvolvidas através do diálogo a respeito dos problemas da vida e da sociedade. Tornando-os motivados, desinibidos, auto confiantes e capazes de criar.1 Faculdade de Ciências Humanas de Olinda. V Colóquio Internacional Paulo Freire – Recife, 19 a 22-setembro 2005Esta autora destaca que a alfabetização freireana se processa por um método analítico-sintético, o da palavração, (que já existia) cujos princípios científicos são de ordem psicológica (capacidade de reter o conjunto, o todo) e metodológica (a globalização do ensino).Rosas lembra a semelhança de Freire com Sócrates da maiêutica fazendo da problematização, da pergunta e do diálogo um ‘método’. Seu método encontra fundamento em suas próprias elaborações filosóficas, sócio-políticas e pedagógicas, Daí, a relevância em sua filosofia educacional: O pensar e o fazer em Freire são interdependentes (ROSAS, 2003.b).Freire estuda, pensa, reflete, pesquisa e propõe uma educação para o /a trabalhador/a, a partir de sua reflexão sobre o esforço educativo, realizado num contexto histórico brasileiro, no qual a sociedade se encontrava em trânsito e pela repressão do golpe militar.No período de 1930 a 1960, o Brasil testemunhou uma série de crises políticas, a Revolução de 30, a decretação do Estado Novo em 37, a queda de Getúlio em 45, o seu suicídio em 54, a renúncia de Jânio em 61, a tumultuada posse de João Goulart, nesse mesmo ano, sob o regime parlamentarista, e depois a sua derrubada em 64, em apenas três décadas vivenciamos todas essas crises. João Goulart como presidente tinha o apoio de uma estável maioria no Congresso, fruto da união do PTB-PSD, porém estava sob desconfiança dos militares. Por outro lado, a UDN não só fazia oposição como também procurava desmoralizar a figura do presidente (Jornal do Commércio 19-11-2003, p.08):Verifica-se claramente o que está acontecendo nesta época no Brasil, na fala de Frei Betto (1986, p.27-28).O método Paulo Freire aparece como a grande novidade. É a primeira contribuição, naquele momento, que já não quer interpretar o que é o interesse das classes populares, mas ousa perguntar às classes populares qual é a sua maneira de expressar-se no mundo, qual a sua palavra. E, até então, a palavra que interpretava o popular era a nossa palavra. Vinha de um mundo não popular, embora ideológica e politicamente comprometida com a causa popular.No século XX, diversos modelos de educação encarnaram-se historicamente dando lugar a uma dialética complexa que levou a um enfraquecimento do ‘mito da educação’, revelando-se nos seus conteúdos mistificadores e autoritários. Entretanto, o mito foi constante e poderoso e alimentou reflexões teóricas e soluções à educação como estrutura e tarefa central da vida social, da ação histórica e política. Surge, então, o modelo pedagógico criado por Dewey, considerado por Cambi (1999) o mais rico e mais duradouro do século XX, atendendo às necessidades do momento, a uma renovação da escola, sublinhando sua identidade de "laboratório" e sua função civil e política, igualitária e emancipativa. Com Dewey, todas as temáticas educativas tradicionais, e os novos problemas atuais da sociedade industrial são relidos de maneira inovadora e orgânica. A filosofia de Dewey articula-se em torno de uma "teoria da experiência", vista com o âmbito do intercâmbio entre sujeito e natureza, intercâmbio ativo, que transforma ambos os fatores e permanece constantemente aberto. Neste evolucionismo pragmático e instrumentalista de Dewey, um papel central ocupa a reflexão política, girando em torno do principio da democracia, vista como a forma mais avançada e mais atual na sociedade industrial de massa.O riquíssimo e complexo pensamento de Dewey foi um dos intérpretes mais atentos da grande transformação social e cognitiva do século XX (ligada à industrialização, à difusão da ciência, ao advento da sociedade de massa e ao desenvolvimento da democracia). O pensamento pedagógico de Dewey está profundamente entrelaçado com a elaboração de sua filosofia.2 V Colóquio Internacional Paulo Freire – Recife, 19 a 22-setembro 2005Para ele, a escola não pode permanecer alheia a essa profunda transformação da sociedade, mas deve ligar-se intimamente ao "progresso social", mudando radicalmente sua própria forma. Portanto, apresenta características não só no âmbito didático, mas também no âmbito de organização administrativa. A democracia, segundo Dewey, deve atuar em todos os níveis, não só no político, mas em particular no nível da vida cotidiana. Dewey continua sendo talvez o pedagogo mais conceituado e mais sugestivo de todo o século pela capacidade, amplamente demonstrada, de saber pensar o problema educativo em toda a sua amplitude e complexidade. (CAMBI,1999).Segundo Brandão, (2002) Freire foi um pensador criativo que nos deixou uma grande contribuição através das suas idéias, de seus escritos e a proposta de um sistema de educação, assim como criou um método de ensino revolucionário na área de alfabetização, principalmente de jovens e adultos.Freire criticou os métodos tradicionais de ensino. Defendia consciência política e o uso de materiais e textos extraídos da vida cotidiana dos/as alfabetizandos/as. A experiência do método freireano foi baseada no existencialismo cristão e no marxismo, realizada em 62, na cidade de Angicos, no Rio Grande do Norte. O resultado foi considerado um sucesso, pois alfabetizou trezentos trabalhadores rurais em apenas quarenta e cinco dias (antes já havia acontecido outras experiências de menor relevância). Posteriormente, a experiência foi aplicada também nas favelas do Recife e em diversas regiões do interior do Estado como parte integrante do Movimento de Cultura Popular.Brandão salienta as influências do pensamento freireano, no contexto social, político e ideológico dos anos cinqüenta e sessenta: "No Brasil, aquele foi, em pouco tempo, o momento de uma passagem da caridade assistencial ao pobre, para um serviço solidariamente social junto ao povo. Uma mudança que se tornou, para muitos e muitos de nós, a passagem do ‘compromisso social’ à ‘consciência’ política da questão social. [...] No alvorecer dos anos 60, passamos depressa de autores cristãos ‘de espiritualidade’, para pessoas - quase todos franceses- como Teilhard de Cardin, Mounier, Lebret. Tivemos que aprender a ler Marx, Lenin e, mais tarde, Mao Tsé-Tung, mesmo que fosse os olhos e os óculos de cristãos" (BRANDÃO, 2002, p.16-17).A nova geração de educadores surgida neste período recebe as influências da teorização do Instituto Superior de Educação Brasileiro-ISEB e do pensamento filosófico cristão europeu, influenciando inclusive Paulo Freire. No início da década de 60, a mobilização em favor da educação de adultos intensifica-se, cristãos e marxistas empenham-se em movimentos que enfatizam a importância da cultura popular e sua difusão. (ROSAS. 2003.a).A esse respeito, Rosas acrescenta: Entre os isebianos que influenciaram o pensamento freireano podemos citar: Roland, Corbisier, Hélio Jaguaribe, Djacir Menezes, Guerreiros Ramos, Álvaro Pinto Vieira, além das leituras e reflexões dos clássicos como: Rugendas e Saint-Hilaira, além de Fernando Azevedo, Anísio Texeira, Gilberto Freyre, Karl Mannheim, Gabriel Marcel, Simone Weil, Jacques Maritain, Caio Prado Júnior. Além dos achados pessoais de Freire, como: Zevedei Barbu, Emmanuel Mounier, Georges Gurvitch, Lebret e outros. (Ibid).Vale lembrar que foi neste período, até 64, onde predominou o ativismo, dando-se ênfase à ação. Porém, essa ênfase à ação, não significava que se privilegiasse a ação em detrimento à reflexão. Nesse sentido, tem-se uma diversidade teórica que vai desde o pensamento social cristão pré-concílio Vaticano II, às correntes existencialistas do pós-guerra, até às diversas correntes de raiz marxista. Portanto, as categorias utilizadas por Freire são elaboradas3 V Colóquio Internacional Paulo Freire – Recife, 19 a 22-setembro 2005principalmente pelos teóricos do nacionalismo-desenvolvimentista, por essa razão, a idéia de uma conciliação de classes, de acordo com os isebianos, está presente em Freire.O MÉTODO PAULO FREIRE: PROPOSTAS PARA UMA AÇÃO EDUCATIVA DIALÓGICAFreire (1963, p.12) afirma: Sempre confiamos no povo. Sempre rejeitamos fórmulas doadas. Sempre acreditamos que tínhamos algo a permutar com ele, nunca exclusivamente a oferecer-lhe."Experimentamos métodos, técnicas, processos de comunicação. Retificamos erros. Superamos procedimentos. Nunca, porém, a convicção que sempre tivemos de que só nas bases populares e com elas poderíamos realizar algo de sério e autêntico para elas"[...] "Foram as nossas mais recentes experiências, de há dois anos no Movimento de Cultura Popular do Recife, que nos levaram ao amadurecimento de posições e convicções que vinham tendo e alimentando desde quando, jovem ainda, iniciamos os nossos contatos com proletários e sub-proletários, como educador".(Ibid).Compreender o período de cinquenta e nove à sessenta e quatro, talvez o mais interessante da história educacional, cultural e política do Brasil, é de vital interesse. É importante entender o papel dos intelectuais unidos ao povo em busca de soluções para os problemas da época, inclusive o da educação.Nesta época, Freire coordenava o projeto de Educação de Adultos do MCP, através do qual foram criados; O Circulo de Cultura e o Centro de Cultura. Nos Círculos de Cultura aconteciam os diálogos sobre temas de interesse dos grupos. Como por exemplo: Nacionalismo; Remessa de lucros para o estrangeiro; Evolução Política do Brasil; Desenvolvimento; Analfabetismo; Socialismo; Comunismo; "Direitismo"; SUDENE; Democracia; Ligas Camponesas. Os resultados eram surpreendentes. Foi daí que surgiu a idéia de encontrar um método ativo, dialogal, participante que fosse capaz de tornar os homens críticos e desse resultados iguais na alfabetização, aos que vinham obtendo na análise de aspectos da realidade brasileira.(FREIRE, 1963).É de fundamental importância lembrar a colaboração do estudante universitário Carlos Augusto Nicéias, dos professores: Jarbas Maciel, Aurenice Cardoso, Jomard Muniz de Britto, Elza Freire e outros membros do Serviço de Extensão Cultural do Recife. Não há dúvida de que , a contribuição de Elza (esposa de Paulo Freire) como professora primária e excelente alfabetizadora da escola pública em Recife, foi imprescindível para a construção do método.A esse respeito, Freire (1963) acrescenta um outro ponto básico, que vinha sendo objeto de estudo do prof. Jarbas Maciel, (da equipe do SEC), apoiado em Pavlov, é exatamente o do mecanismo da captação que o homem faz não só dos objetos da realidade, mas dos nexos entre os objetos e os dados reais. Instalando-se então na sua realidade interna um sistema de percepções. O primeiro sistema de sinalizações é universal, sendo comum a todos os homens; Sobre o segundo sistema, se levanta um possível sub-sistema, o das expressões gráficas das expressões verbais das percepções. É exatamente este que abre ao homem letrado a comunicação escrita e que o analfabeto não tem. A sua montagem, deve ser feita pelo próprio homem com a ajuda do educador. Daí não acreditar inicialmente nas cartilhas, que pretendem a montagem do terceiro sistema como uma doação.Ao referir-se ao Circulo de Cultura, Freire substitui pela sala de aula, onde o professor é trocado pelo coordenador de debates, o sujeito é participante do grupo, a aula acontece através do diálogo e os programas são elaborados a partir das situações existenciais, capazes4 V Colóquio Internacional Paulo Freire – Recife, 19 a 22-setembro 2005de desafiar os grupos, levando-o através dos debates a posições mais críticas.Brandão (1981, pp.83-84) cita: O Sistema preconizava a formação de universidades populares, que assumiriam a tarefa de oferecer serviços culturais em vários níveis [...] Na cabeça dos seus primeiros idealizadores, o método de alfabetização de adultos era a menor parte de um sistema de educação, do mesmo modo como o trabalho de alfabetizar era só o momento do começo da aventura de educar, criado entre as pessoas sistemas novos de trocas de gestos, símbolos e significados, cujo resultado é a transformação de todos através do diálogo de que cada um aprende .Assim, o método foi a matriz construída e testada do sistema de educação do homem do povo (e de todas as pessoas, por extensão) que imaginou poder inverter a direção e as regras da educação tradicional, para que os seus sujeitos, conscientes, participantes, fossem parte do trabalho de mudarem as suas vidas e a sociedade que, pelo menos em parte, as determina. (Ibid).Freire (1963) afirma que a primeira experiência com o método de alfabetização foi realizada com cinco analfabetos, (do qual dois desistiram) no Centro de Cultura Dona Olegarinha, no Poço da Panela, Recife. Eram homens completamente analfabetos e vindos de zonas rurais, revelando certo fatalismo diante dos problemas. Com apenas trinta horas, sendo uma hora diária, em cinco dias por semana, os analfabetos liam e escreviam textos simples e até jornal. Depois foi feita outra experiência, com oito pessoas, das quais três desistiram, onde o resultado também foi positivo.Daí, passamos para grupo de 25, a quem tivemos de deixar por circunstâncias superiores, na vigésima hora, com a maioria já lendo e escrevendo palavras e pequenos textos, observa Freire(1963, p.19).Nesta altura, o ex-ministro da Educação Prof. Darcy Ribeiro, dos mais eficientes ministros que este país já teve, empenhado na luta contra o analfabetismo e comandando o Plano de Emergência, com que mobilizou todo o país, liberou Cr$ 1.000.000,00 (um milhão de cruzeiros) para o SEC a fim de realizarmos amplas experiências com a colaboração da UEP e do DCE. [...] Após a preparação de pequeno grupo, iniciamos no Recife, ora nas faculdades, ora em outras instituições alfabetização de homens e mulheres.(Ibid).Ainda Freire,(1963) ressalta, antes mesmo desta fase, preparamos um grupo de jovens para compôr a Campanha de Educação Popular de João Pessoa, Paraíba, que, aplicando naquela cidade o método, conseguira bons resultados. A CEPLAR, tinha ligação com o MEC, e com o Governo da Paraíba e contava na época com 10 Círculos de Cultura em funcionamento, se preparando para mais 10.Também com supervisão técnica do SEC, iniciou-se em Natal a Campanha de Pé no Chão também se Aprende a Ler de Círculos de Cultura. Em Angicos (RN), trezentos homens eram alfabetizados e conscientizados em 40 horas, aprendia a ler e a escrever, e discutiam problemas brasileiros.(Ibid).A esse respeito, Jarbas Maciel (1963, p.25) acrescenta, o Serviço de Extensão Cultural da Universidade do Recife – SEC, foi testemunha do nascimento e da evolução do método Paulo Freire, cuja repercussão foi de âmbito nacional [...] A extensão é uma dimensão da Pré - Revolução Brasileira, desde que ela também – e não só o homem na expressão feliz de Gabriel Marcel – é situada e datada. De fato, já não se pode mais entender, no Brasil de hoje, uma universidade voltada sobre si mesma e para o passado, indiferente aos problemas cruciais que aflige o povo a que ela deve servir.5 V Colóquio Internacional Paulo Freire – Recife, 19 a 22-setembro 2005O mesmo autor lembra: O ponto de partida do SEC, ao lado de seu esforço em levar a Universidade a agir junto ao povo através de seus Cursos de Extensão (nível secundário, médio e superior), de suas palestras e publicações por fim de sua "Rádio Universitária". Todavia, o SEC não poderia fazer do Método de Alfabetização de Adultos do Prof. Paulo Freire sua única e exclusiva área de interesse e trabalho. A alfabetização deveria ser – e é – um elo de uma cadeia extensa de etapas, não mais de um método para alfabetizar mas de um sistema de educação integral e fundamental. Vimos surgir, assim, ao lado do Método Paulo Freire de Alfabetização de Adultos, o Sistema Paulo Freire de Educação, cuja sucessivas etapas [...] desembocam com toda tranqüilidade numa autêntica e coerente Universidade Popular, afirma Maciel (1963, p.26).Maciel (1963) resume o Sistema Paulo Freire de Educação da seguinte forma, é, na perspectiva que nos abre a filosofia desenvolvimentista nacional, uma das poderosas ferramentas da praxis que estava faltando ao ISEB, pois, SEC e ISEB, se completam na atual fase da revolução brasileira.Este mesmo autor complementa, a primeira etapa do Sistema é a de alfabetização infantil; a segunda, é a alfabetização de adultos; a terceira, conduzida pela equipe da CEPLAR; quarta etapa do Sistema, juntamente com a anterior, marca o início da experiência de universidade popular. Será a extensão cultural, em níveis popular, secundário, pré-universitário e universitário; quinta etapa do Sistema o SEC trabalhará em colaboração com o Instituto de Ciências do Homem, da Universidade do Recife (do qual Paulo Rosas foi criador); a sexta etapa do Sistema será com Centro de Estudos Internacionais (CEI) da Universidade do Recife. Nesta etapa, será realizada intensa transação com os países subdesenvolvidos, no esforço de integração do chamado Terceiro Mundo. (Ibid).Maciel destaca que, neste contexto o Sistema Paulo Freire de Educação está todo contido em potencial na primeira situação existencial projetada em "slide":"O homem diante do mundo da natureza e do mundo da cultura"Os demais "slides" confeccionados e utilizados nas experiência de Angicos (RN.) revelaram que aí estavam contidos, sob a forma de programação compacta, os elementos fundamentais da Lógica, da Teoria do Conhecimento, da Reflexologia, da Semiótica, da Filosofia da Educação, da Teoria da Comunicação (Cibernética), da Teoria do Aprendizado e da Lingüistica. Portanto, a categoria fundamental do Sistema Paulo Freire de Educação é a categoria Sociológica e Antropo-Cultural de Comunicação (MACIEL, 1963).Freire, (1999) lembra as 17 palavras geradoras escolhidas do ‘universo vocabular’ (favela, chuva, arado, terreno, comida, batuque, poço, bicicleta, trabalho; salário, profissão, governo, mangue, engenho, enxada, tijolo, riqueza,) que constituíram o Curriculum dos Círculos de Cultura do Estado do Rio e da Guanabara. Essas palavras eram apresentadas através de situações existenciais e analisadas problematizando com as questões básicas, ou seja, com as necessidades fundamentais como: Habitação; Alimentação; Vestuário; Saúde; Educação, etc.Ainda em relação aos slides utilizados nos Círculos de Cultura, Freire salienta que eram dez e foram feitos (os originais) por Francisco Brennand, onde expressavam as situações existenciais para a discussão dos conceitos de natureza e cultura. Posteriormente, foi pedido a Vicente de Abreu que os refizesse, repetindo a temática e não cópia. As situações existenciais foram as seguintes: 1. O homem no mundo e com o mundo. Natureza e cultura; 2. Diálogo mediado pela natureza; 3. Caçador iletrado; 4. Caçador letrado (cultura letrada); 5. O caçador gato; 6. O homem transforma a matéria da natureza com o seu trabalho; 7. Jarro, produto do6 V Colóquio Internacional Paulo Freire – Recife, 19 a 22-setembro 2005trabalho do homem sobre a matéria da natureza; 8. Poesia: A Bomba; 9. Padrões de comportamento; 10. Círculo de Cultura funcionando – Síntese das discussões anteriores. Neste último slide se discute a cultura como aquisição de conhecimentos e de democratização que caracterizava o processo brasileiro (Ibid).A REPERCUSSÃO DO SISTEMA/MÉTODO PAULO FREIRE NO BRASIL.Segundo Manfredi (1981, p.13), o governo federal através da promulgação do Plano Nacional de Alfabetização institucionalizou o Sistema Paulo Freire de Educação em 1964. Embora tenha sido um período breve, distingue-se dos que o precederam por ter surgido em condições históricas sociais singulares.Do ponto de vista institucional, articula-se como uma tentativa empreendida pelo Ministério da Educação no sentido de legitimar e expandir alguns dos movimentos de educação popular. Entre eles, destacamos o Movimento de Cultura Popular que teve inicio em 1960, tendo sido a fase de experimentação em Recife, do método de alfabetização elaborado por Paulo Freire. Em seguida, foi adotado em nível nacional em forma de sistema.O sistema de educação proposto por Freire, distinguia-se dos existentes até então pelas seguintes características: incluía uma técnica de alfabetização que possibilitava o domínio da leitura e da escrita no prazo de 40 horas e permitia que os conteúdos culturais inerentes ao processo de alfabetização fossem voltados para o exame crítico de problemas sociais, políticos, econômicos vividos pelos alfabetizandos, como afirma Manfredi (1981, p.14).O Sistema Paulo Freire de Educação não só representou uma renovação da metodologia e procedimentos adotados para educação de jovens e adultos, como também essas práticas eram político-ideológicas mais abrangentes vinculadas a um modelo de desenvolvimento sócio-econômico específico (nacional-desenvolvimentista) de estilo populista getulista que caracterizava o poder entre os grupos dominantes e as classes populares (Ibid).Acredito que Dewey influenciou Paulo Freire através do seu método que, segundo Brubacher (1961), é composto por cinco etapas: atividade; problema; dados ; hipótese e experimentação. Assim, para Dewey, o mundo é um sistema aberto, portanto propõe um método também em aberto, que pode partir de qualquer problema surgido do relacionamento do educando com o meio. A partir do problema, professor e aluno procuram os dados para resolvê-lo. Portanto, na ótica deste autor, a aprendizagem é redescoberta, reconstrução da experiência.Para Freire, a concepção de mundo, de homem e de sociedade sustentam o método. Conforme Alder Júlio Calado (2002), esses três polos manifestam-se sempre como uma unidade dialética, em cuja trama um se acha necessariamente remetido aos demais, mediante uma espécie de ímã relacional, em virtude do qual nenhum deles adquire sustentação isolada. Ainda, o autor acima salienta que o pólo ‘mundo’ compreende os elementos da natureza, seus encantos e mistérios, suas paisagens, como também, passa a ser tomado em seu sentido de realidade social, espaço histórico; é o mundo da opressão de classe e de múltiplas contradições.Paiva (1982, p.28) ressalta que no período 1959/64, as expectativas quanto ao resultado das atividades educativas não estavam tão longe de uma nova utopia pedagógica . O poder mágico que se emprestava ao não diretivismo (enquanto atitude pedagógica), que se concretizava nos mais diversos métodos e técnicas de abordagem, e à conscientização (enquanto processo pedagógico de construção de consciências criticas) era da ordem da convicção ideológica. Do que conseguimos apreender, tratava-se de processos nos quais os indivíduos envolvidos tinham, no seu ponto de partida, uma postura de seres submissos, indefesos e ingênuos e,7 V Colóquio Internacional Paulo Freire – Recife, 19 a 22-setembro 2005durante o processo educativo, tornar-se-iam homens possuidores de uma consciência histórica, criadores de cultura, responsáveis pela escolha e construção dos seus próprios destinos.Segundo Scocuglia (2000), entre os movimentos mais importantes desta época principalmente no Nordeste, que desenvolveram atividades não só em alfabetização de jovens e adultos, como também educação de base ou cultura popular, estão o Movimento de Educação de Base (MEB) com suas escolas radiofônicas; a Campanha de Educação Popular na Paraíba (CEPLAR); a Campanha de Alfabetização no Rio Grande do Norte "De pé no chão também se aprende a ler" e o Movimento de Cultura Popular (MCP) que iniciou no Recife, se estendendo depois para as zonas rurais.Cada movimento tentava ser o mais eficiente no método empregado. Vale salientar que o Método Paulo Freire foi um dos mais usados e eficazes, não só pela rapidez da leitura em tão poucos dias mas também pela conscientização contra a alienação e massificação.Conscientizar através da ação dialógica emancipatória é o fio condutor do processo da alfabetização de Freire (1980). Nessa perspectiva de prática educativa libertadora, o conhecimento é produzido pela conscientização, partindo da análise crítica da realidade existencial, empoderando os sujeitos para a tomada de decisão e para as ações transformadoras necessárias. A práxis humana para Freire é de fundamental importância, fazendo-se no processo de reflexão-ação-reflexão. O homem é capaz de "fazer" através do distanciamento da realidade para agir conscientemente sobre ela. Nesse processo, o indivíduo afasta-se da realidade para tomar posse dela, produzindo sua desmitologização; ou seja, o olhar mais crítico sobre a realidade para desvendá-la e conhecê-la.Nessa dinâmica, o homem, ao se aproximar espontaneamente do mundo, assume uma posição crítica ou uma posição ingênua. É este primeiro contato com o mundo, objeto, realidade que provoca a tomada de consciência, algo diferente do que chamamos de conscientização. Portanto, conscientização é o desenvolvimento crítico da tomada de consciência , que ultrapassa a esfera da espontaneidade da realidade, para a esfera crítica, na qual a realidade se dá como objeto cognoscível e o homem assume uma posição epistemológica.Para Freire (1980), a alfabetização é política quando anuncia e denuncia uma ação desumanizante, mas enquanto prática libertadora anuncia a estrutura humanizante. Por essa razão, instiga um compromisso histórico e utópico, isto é, no sentido do conhecimento crítico entre o anunciado e seu tempo de realização. Tempo histórico é precisamente, a história que devemos criar e fazer com nossas próprias mãos.Mais uma vez ao se referir à questão do Método para alfabetizar, Freire (1980) enfatiza que se deve proceder à escolha de um modelo não mecânico, mas um que impulsione o ato criador dos sujeitos, capaz de gerar outros atos criadores. Na verdade, uma alfabetização capaz de desenvolver a atividade e a vivacidade da invenção e da reinvenção do homem em seu estado de procura. Uma metodologia capaz de unir o conteúdo da aprendizagem com o processo de aprender.NA TRILHA METODOLÓGICA/SISTEMÁTICA DA AMÉRICA LATINA E ÁFRICAA princípio, a idéia de método na experiência de Freire (1980) no Chile toma a forma de uma fotografia que representa uma situação existencial real ou construída pelos/as alunos/as. Ao ser projetada, eles/as se distanciam do objeto cognoscível (código/realidade), que mediatiza sujeitos conhecedores e que refletem juntos, alunos/as e educadores/as, de maneira a chegar a um nível crítico de conhecimento. Tal processo é o que Freire chama de codificação. Na8 V Colóquio Internacional Paulo Freire – Recife, 19 a 22-setembro 2005descodificação, os sujeitos percebem a relação entre os elementos da codificação, (situação/objeto/informação) e os fatos que a situação real apresenta. Desta visão crítica de mundo, emergem temas geradores, que surgem da realidade dos/as alfabetizandos/asA busca pelo tema gerador concerne em captar os pensamentos dos sujeitos que questionam elementos de sua realidade, compreendendo que os temas não existem fora dos homens e que são historicamente situados.Vejamos o que sugere Freire (1980) acerca da cultura. Trata-se da contribuição que o homem faz ao já criado; ou seja, a natureza. Logo, é o resultado do esforço criador e recriador do trabalho humano, por transformar e estabelecer relações de diálogo com outros homens, num ato de reciprocidade, fazendo cultura e criando história. É a aquisição crítica, reflexiva, criadora de experiências humanas incorporadas no ser e em sua vida plena, no sentido do ‘ser mais’. Portanto, o objetivo primeiro da Educação para Paulo Freire é fazer desta conscientização seu instrumento de trabalho.Feitas as devidas reflexões sobre qual o método a ser utilizado no processo de alfabetização de homens e mulheres trabalhadoras rurais e camponesas no Chile, assim como no Brasil. Freire (1980) explicita o passo a passo para a elaboração dos instrumentos: 1. Inicia pela descoberta do universo vocabular (pelos conteúdos que estes revelam da linguagem popular); 2. Seleção de palavras (pela riqueza silábica, dificuldade fonética, conteúdo prático da palavra, poder e significado, compromisso possível numa realidade de fato, concreto, social, política, cultural, poder de conscientização); 3. Criação de situações existenciais(desafios apresentados ao grupo, situações problemas/codificação, que levam em si elementos para que sejam descodificados pelo grupo, o debate conduzirá o grupo a situação de ‘conscientização’ para ‘alfabetização’; 4. Elaboração de fichas para ajudar o coordenador no debate; 5. Elaboração de fichas das famílias silábicas.Após todos os instrumentos elaborados para aplicação do método, os procedimentos são os seguintes: Escolhida a palavra geradora, representa-se a expressão oral pelo objeto, abre-se o debate; quando esgotado o debate o mediador propõe a visualização da palavra e não a memorização; ao visualizar estabelece-se o laço semântico entre ela e o objeto; por meio de outro diapositivo(desenho/cartão) mostra-se a palavra sozinha sem o objeto; Em seguida, a mesma palavra em sílaba (o analfabeto diz ser parte e não sílaba); após visualizada, passa-se a perceber as famílias silábicas, essas são apresentadas em fichas chamadas ‘fichas de descobertas’ ; no processo descobrem-se os mecanismos de formação das palavras de uma língua silábica. Assumindo este mecanismo de maneira crítica e não pela memorização os/as alfabetizandos/as começam a estabelecer um sistema de sinais gráficos (Ibid).Outra forma de superação é utilizando um método ativo de educação, um método dialógico, crítico e percorrendo um caminho no qual descobrisse e tomasse consciência: da existência de dois mundos (social e natural); do papel ativo do homem na e com a sociedade; do papel de mediador entre o mundo social e natural; da cultura como resultado de seu trabalho; da cultura como aquisição de experiências humanas; da cultura como incorporação crítica e criadora; da democratização da cultura como dimensão da democratização fundamental; da aprendizagem da escrita e da leitura como chave do analfabeto para introdução no mundo da comunicação escrita e para concluir essa reflexão Freire (1980) acrescenta que o homem tem o papel de sujeito e não de objeto na educação.Discutindo essa questão no Chile, Freire (1999) analisa o método como instrumento de investigação psicossociológica, cujos resultados foram surpreendentes. Existia uma equipe interdisciplinar do Departamento de Investigações da Divisão de Estudos do Conselho de9 V Colóquio Internacional Paulo Freire – Recife, 19 a 22-setembro 2005Promoção Popular do Supremo Governo, fazendo parte psiquiatras, antropólogos, psicólogos, urbanistas, economistas, e sociólogos. Esta equipe era dirigida pelo psiquiatra e sociólogo chileno Patrício Montalva e coordenada pelo sociólogo francês Michel Marié.Brandão emite sua opinião a respeito do trabalho de Paulo Freire na África, (juntamente com o pessoal do Instituto de Ação Cultural, tiveram oportunidade de participar de um processo de reconstrução de ex-colônias libertadas como educadores) ‘onde o método é instrumento de preparação de pessoas para uma tarefa coletiva de reconstrução nacional’(1981, p.87). Donde, o educador tem uma missão política-pedagógica de participar do trabalho de libertação também através do ensino e da educação.Numa das cartas que Freire (1982) escreveu para animadores de círculos de cultura das ilhas de São Tomé e Príncipe, na África, ele destaca uma proposta de educação do povo, a partir dele, do lugar na sociedade e na história. Daí ficar cada vez mais claro enquanto educadora popular a nossa opção política e a coerência da teoria com nossa prática pedagógica, no que diz respeito ao em favor de quê e de quem trabalhamos em educação.Na Nicarágua, Freire também deu sua contribuição através dos trabalhos da Cruzada Nacional de Alfabetização. Uma das primeiras tarefas do país recém-libertado da ditadura de Somoza foi a de repensar a sua educação e de recomeçar o trabalho pedagógico junto ao povo do país (até então com um grande índice de analfabetismo), pelo começo [...] Uma luta de que a própria Campanha Nacional de Alfabetização foi considerada como uma das etapas muito importantes (BRANDÃO, 1981, p.88).Paulo Freire colaborou junto com outro brasileiro, o professor Hugo Assmann, coordenou a elaboração de um livro documento: Nicarágua Triunfa na Alfabetização(Ibid). Portanto, estes exemplos citados são alguns dos vários trabalhos dos quais Freire participou.Finalizarei este capítulo com a poesia: Canção para os Fonemas da Alegria onde Thiago de Mello (1965) através de seus belíssimos versos, descreve a alfabetização dialógica e conscientizadora freireanaCANÇÃO PARA OS FONEMAS DA ALEGRIAA Paulo FreirePeço licença para algumas coisas.Primeiramente para desfraldareste canto de amor publicamente.Sucede que só sei dizer amorquando reparto o ramo azul das estrelasque em meu peito floresce de menino.Peço licença para soletrar,no alfabeto do sol pernambucanoa palavra ti - jo - lo, por exemplo,e poder ver que dentro dela vivemparedes, aconchegos e janelase descobrir que todos os fonemassão mágicos sinais que vão se abrindo.constelação de girassóis gerandoem círculos de amor que de repente 10 V Colóquio Internacional Paulo Freire – Recife, 19 a 22-setembro 2005estalam como flor no chão da casa.Ás vezes nem há casa: é só o chão.mas sobre o chão quem reina agora é um homemdiferente, que acaba de nascer:porque unindo pedaços de palavrasaos poucos vai unindo argila e orvalho,tristeza e pão, cambão e beija-flor,e acaba por unir a própria vidano seu peito partida e repartidaquando afinal descobre num clarãoque o mundo é seu também, que o seu trabalhonão é a pena que paga por ser homem,mas um modo de amar – e de ajudaro mundo a ser melhor. peço licençapara avisar que, ao gosto de Jesus,este homem renascido é um homem novo:ele atravessa os campos espalhandoa boa-nova, e chama os companheirosa pelejar no limpo, fronte a fronte,contra o bicho de quatrocentos anos,mas cujo fel espesso não resistea quarenta horas de total ternura.Peço licença para terminarsoletrando a canção da rebeldiaque existe nos fonemas da alegria:canção de amor geral que eu vi crescernos olhos do homem que aprendeu a ler.Santiago do Chile,verão de 1964.Thiago de Mello, Faz e Escuro Mas eu Canto – Porque a Manhã Vai Chegar. Poesias, Editora Civilização Brasileira, Rio, 1965.
REFLEXÕES FINAIS SOBRE AS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E POLÍTICAS FREIREANAS
Meu nome é Severino,não tenho outro de pia.Como muitos Severinos,que é santo de romaria,deram então de me chamar11 V Colóquio Internacional Paulo Freire – Recife, 19 a 22-setembro 2005Severino de Maria;como há muitos Severinoscom mães chamadas Maria,fiquei sendo o da Mariado finado ZacariasJoão Cabral de Melo NetoBeisiegel (1982, p.19) cita uma entrevista feita por Walter José Evangelista, em 1972, onde Freire diz:[...] Eu não sou, como muita gente pensa, um especialista na alfabetização de adultos. Desde o início de meus trabalhos eu procurava alguma coisa além de um método mecânico que permitisse ensinar rapidamente a escrita e a leitura. É certo que o método devia possibilitar ao analfabeto aprender os mecanismos de sua própria língua. Mas, simultaneamente, esse método devia lhe possibilitar a compreensão de seu papel no mundo e de sua inserção na história.Portanto, sabemos que Paulo Freire nunca ficou restrito apenas às questões técnicas e pedagógicas, ligadas à aprendizagem da leitura e da escrita de jovens e adultos, mas sim a aspectos bem mais amplos como as questões: políticas, sociais, culturais. Daí, os indivíduos das camadas populares começarão a entender melhor a sua existência na sociedade, como determinação do contexto econômico-político-ideológico da sociedade em que vivem e não como, desejo de Deus ou sina.Quando os indivíduos se percebem como fazedores de cultura, no sentido antropológico, do ‘ser-mais,’ está quase vencido o primeiro passo para sentirem a importância, a necessidade e a possibilidade de se apropriarem da leitura e da escrita. Daí, poder dizer que estão alfabetizando-se, politicamente falando.Nos ‘círculos de cultura’ o/a coordenador/a do grupo, juntamente com os/as alfabetizandos/as, através do diálogo sobre o objeto a ser conhecido e sobre a representação da realidade a ser decodificada, respondem às questões provocadas pelo/a mesmo/a. Este debate possibilitará um aprofundamento das leituras de mundo e uma re-leitura da realidade, podendo resultar o engajamento do/a alfabetizando/a em práticas políticas com vistas à transformação da sociedade.A pesquisa para Freire é fundamental nas atividades de alfabetização, deste ‘universo vocabular’ dos/as educandos/as serão tiradas entre 17 e 20 ‘palavras geradoras’ que devem ter grande riqueza fonêmica, e serem colocadas em ordem de dificuldades. Por outro lado, Emília Ferreiro acredita que não deve ser levado em consideração essa questão, o que importa é o interesse da criança pelo objeto de estudo.Após a decodificação da situação existencial codificada, segue a decodificação da palavra escrita e compreende alguns passos. Nos anos 60, em Brasília a primeira palavra escolhida foi TIJOLO, por ser uma cidade em construção. Porém, exemplificarei com uma experiência que tive no Programa da Alfabetização Solidária com a Faculdade Decisão e os trabalhadores rurais de um Município de Pernambuco.A primeira palavra foi SEVERINO, o aluno mais velho da turma (82 anos) daí surge o diálogo: Quem é Severino? O que faz? Por que está na escola aos 82 anos de idade? Porque não estudou antes? Onde mora? Mora com quem? Usa algum transporte para chegar na escola? Quanto tempo trabalhou? Já se aposentou? Quanto ganha? O dinheiro dá para viver? De um lado, com esses questionamentos provocativos acerca de Severino, por outro lado, provocam os/as outros/as alfabetizandos/as em torno da subjetividade das coisas, da razão de12 V Colóquio Internacional Paulo Freire – Recife, 19 a 22-setembro 2005ser delas, de suas finalidades, do modo como se fazem, começam também a se questionar.A pesquisa do universo vocabular foi feita juntamente com educandos/as e educadora, as palavras geradoras escolhidas Parti da palavra SEVERINO, que é um indivíduo, de uma situação existencial, para a decodificação da palavra escrita, apresentando os seguintes passos.Apresentei a palavra geradora "SEVERINO" inserida na representação de uma situação concreta: como um dos trabalhadores da zona rural, e estudante do Programa da Alfabetização Solidária (todas as etapas são feitas através do diálogo).2 - Escrevi a palavra SEVERINO numa ficha, (se possível com a sua foto, tipo cartaz)Escrevi a palavra SE-VE-RI-NO (separando as sílabas). Lembrando que tudo no mundo tem seus pedaços, pois uma palavra também tem pedaços. Cada pedaço do nome SEVERINO tem sua família.Apresentei a família fonêmica da primeira sílaba: SE-SA-SI-SO-SU.5 - Da família fonêmica da segunda sílaba: VE-VA-VI-VO-VU.6 - Da família fonêmica da terceira sílaba: RI-RA-RE-RO-RU.7 - Da família fonêmica da quarta sílaba: NO-NA-NE-NI-NU.8 - Apresentei todas as famílias fonêmicas da palavra que está sendo decodificada- SEVERINO.SA – SE – SI – SO – SUVA – VE - VI – VO – VURA – RE – RI – RO – RUNA – NE – NI – NO – NUEste conjunto das ‘famílias fonêmicas’ da palavra geradora foi denominada, segundo Freire de ‘ficha de descoberta’, pois propicia ao sujeito fazer dessas sílabas novas combinações fonêmicas, formando novas palavras da língua portuguesa. Como por exemplo: SARA, SEVERINA, VÂNIA, NOVA, VIUVA, NAVIO, RIO, VARA, VIU, VOVÔ, SINO, RUA, etc. Dessas novas palavras surgirá um novo texto.É importante salientar as vogais: A-E-I-O-U, mostrando que elas são a parte que muda em cada ‘família fonêmica’. Em síntese, no momento em que o/a alfabetizando/a consegue, articulando as sílabas, formar palavras, inicia a alfabetização propriamente dita, no sentido da leitura e da escrita. Porém o processo requer, evidentemente , aprofundamento, ou seja, a pós-alfabetização (Brandão, 1981). A pós-alfabetização para Freire, (1978, p.141) é "continuidade aprofundada e diversificada do mesmo ato de conhecimento que se inicia na alfabetização"Evidencia-se através da fala de Severino, quando perguntei como estava se sentindo agora sabendo ler e escrever, ele respondeu: "Agora já sou dotô, já sei lê todos os ‘is’ da vida, sei que Itaquitinga, Itapessoca, Itapissuma, Itamaracá, se escreve com ‘I’, agora não me perco mais, não pego o ônibus errado, nem peço ajuda a ninguém pra chegar aonde quero".Ao pensar um método para o Brasil de analfabetos aprender a ler e escrever, percebeu Freire: (1980) O caminho não era desafiando o espírito crítico e a consciência do homem, mas introduzir na consciência, símbolos associados às palavras e desafiá-los criticamente a redescobrir a associação entre certos símbolos e as palavras, para apreendê-las. A13 V Colóquio Internacional Paulo Freire – Recife, 19 a 22-setembro 2005aprendizagem é uma maneira de tomar consciência do real, e não se efetiva a não ser no seio desta tomada de consciência. A conscientização tem por ponto de partida o homem (iletrado, do povo [...] com sua maneira própria de captar e compreender a realidade que pode vir a ter por esse mundo uma compreensão mágica ou crítica e o superar essa compreensão/captação mágica dá-se por uma captação mais e mais crítica que o ajude a realizar sua vocação ontológica e inserir-se na construção da sociedade e da mudança social.
REFERÊNCIA
BEISIEGEL, Celso de Rui. Política e Educação Popular: A Teoria e a Prática de Paulo Freire no Brasil. São Paulo: Ática, 1982.
BETTO. Frei. Essa escola chamada vida: depoimentos ao repórter Ricardo Kotscho. 3 ed. São Paulo: Ática, 1986.
BOUDON, B; BOURRICAUD, I. Dicionário Crítico de Sociologia. São Paulo: Ática, 2000.
BRANDÃO, Carlos. O que é método Paulo Freire. Ed. Brasiliense, São Paulo, 1981.
BRANDÃO, Carlos. In: Paulo Rosas (Org.) Paulo Freire: Educação e Transformação Social. Recife: Ed. Universitária da UFPE, 2002.
BRUBACHER, John S. Importância da Teoria em Educação. Rio de Janeiro, INEP, CBPE, MEC, série II, Cursos e Conferências, v. 3, 1961.
CALADO, Alder Júlio Ferreira. Paulo Freire: sua visão de mundo, de homem e de sociedade – 2ª ed. Recife: Centro Paulo Freire; Caruaru: FAFICA, 2002.CAMBI, Franco. História da Pedagogia. Campinas: Editora UNESP, 1999.
CARDOSO, Aurenice. Conscientização e Alfabetização. Uma visão prática do Sistema Paulo Freire. Estudos Universitários. In: Revista de Cultura da Universidade do Recife. n. 4, abr-jun, 1963.
FREIRE, Paulo. Escola primária para o Brasil. In: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Rio de Janeiro, 1961, v. 35, n. 82, abr/jun.FREIRE, Paulo. Conscientização e Alfabetização. Uma visão prática do Sistema Paulo Freire. Estudos Universitários. In: Revista de Cultura da Universidade do Recife, n. 4, abr-jun, 1963.FREIRE, Paulo. . Educação como Prática de Liberdade. Ed. Paz e Terra, 23 Edição. Rio de Janeiro, 1999.
FREIRE, Paulo. Conscientização: teoria e prática da libertação. Uma introdução ao pensamento de Paulo Freire. São Paulo: Moraes, 1980.FREIRE, Paulo. Cartas à Guiné-Bissau. Registros de uma experiência em processo, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.
FREIRE, Paulo. A Questão Política da Educação Popular. São Paulo, Ed. Brasiliense, 1982.JORNAL DO COMMÉRCIO (19-11-2003, p.08 ).LALANDE, André. Vocabulário Técnico e Crítico da Filosofia. Ed. Martins Fontes, São Paulo, 199914 V Colóquio Internacional Paulo Freire – Recife, 19 a 22-setembro 2005
MACIEL, Jarbas. Estudos Universitários. In: Revista de Cultura da Universidade do Recife. n. 4, abr-jun, 1963.
MANFREDI, Silvia. Política e Educação Popular. (Experiências de Alfabetização no Brasil com o Método Paulo Freire – 1960/1964) Ed. Cortez, São Paulo, 1981.
MELLO, Thiago de. Faz Escuro Mas eu Canto – Porque a Manhã Vai Chegar. Poesias. Ed. Civilização Brasileira, Rio, 1965.
NETO, João Cabral de Melo. Morte e Vida Severina e outros poemas em voz alta.14 ed. Rio de Janeiro, J. Olympio, 1980.
PAIVA, Vanilda (vários autores). A questão política da educação popular. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1982.
ROSAS, Paulo. Papéis Avulsos sobre Paulo Freire. n. 01. Recife: Centro Paulo Freire – Estudos e Pesquisas. Ed. Universitários/UFPE, 2003.
ROSAS, Paulo. A Filosofia Educacional de Paulo Freire. (texto apresentado na inauguração do Centro de Desenvolvimento de Competências do CIEE).Recife, 2003.b.SCOCUGLIA, Afonso Celso. Histórias Inéditas da Educação Popular do Sistema Paulo Freire aos IPMs da Ditadura. João Pessoa: Editora Universitária/UFPB; São Paulo: Cortez, Instituto Paulo Freire. 2000.15

quinta-feira, 3 de julho de 2008

Dica de Pesquisa

Este site trabalhar com alfabetização, entre e pesquise: (http://www.alfabetizacao.com.br/)

Educação popular e a construção de um poder ético

Desde a década de vinte, mais especificamente após a semana de arte moderna[1] e posteriormente com os manifestos da escola nova[2], já se falava em uma educação popular que fosse direito de todos. Mais tarde, com o governo de Juscelino Kubitschek (1956 a 1961) e de João Goulart (1961 a 1964) e o advento da industrialização no Brasil com a chegada de capital estrangeiro, a limitação da educação tornou-se um problema e passou a ser necessário instruir o povo para expandir o capital. Nesse cenário, em 1959 educadores e intelectuais lançaram um manifesto em defesa da escola pública ao entender que o desenvolvimento econômico do país se passava necessariamente pela educação, muito mais técnica, para ensinar a fazer, do que clássica para formar intelectuais.

Nesse sentido, frente a um Estado autoritário, dominante e excludente, era preciso “dar as costas” e fazer surgir uma alternativa de mudança. Foi então que a partir de 1960 surge a educação popular, idealizada pelo educador Paulo Freire[3], com suas primeiras iniciativas de conscientização política do povo buscando a emancipação social, cultural e política das classes menos favorecidas. Assim, a EP se dirige às vítimas de desigualdades sociais e culturais.

Nos ideais de Paulo Freire, os princípios da educação popular estão relacionados à mudança da realidade opressora, o reconhecimento, a valorização e a emancipação dos diversos sujeitos individuais e coletivos. Contudo, além da conscientização, a prática e a reflexão sobre a prática formam a categoria de organização da educação popular e são elementos básicos para a transformação. Nesse sentido, a sociedade civil organizada foi identificada como instância de promoção e sistematização da educação popular (Paiva, 1986).

A metodologia usada por Freire era dialógica. Ele realizava “círculos de cultura”, onde a alfabetização fluía a partir da “leitura de mundo” dos envolvidos, se dava de dentro para fora, através do próprio trabalho. O método fora aplicado em várias cidades pelos diversos movimentos sociais existentes na época, alfabetizou 300 trabalhadores em 45 dias. Com o impressionante resultado, o Governo Federal, representado pelo então presidente João Goulart, adotou a idéia a nível nacional. De 1963 a início de 1964 foram concretizados vários cursos de formação de coordenadores em diversos estados brasileiros para efetivarem o plano de ação que tinha por meta alfabetizar 2 milhões de alunos. Com o golpe militar em março de 1964, a campanha nacional de alfabetização foi considerada “perigosamente subversiva”. Tudo foi condenado e Paulo Freire exilado (Brandão, 1993).

Durante o regime militar, Paulo Freire foi obrigado a trabalhar fora do Brasil onde escreveu vários livros[4] sobre educação, conscientização e liberdade. Com a anistia na década de 80, Freire retorna ao Brasil para, como ele mesmo disse, “aprender tudo de novo” e assume em 1989 a Secretaria Municipal de Educação da cidade de São Paulo, durante a administração petista de Luísa Erundina. Com esse trabalho, Freire pôde experimentar suas idéias, até então aplicadas na educação não-formal, num complexo educacional de escolas.

Vale salientar, entretanto, que na década de 1980 há uma mudança no padrão de acumulação do capital. A educação volta a ser valor indiscutível vestido de um discurso democratizador. Esse valor, da educação e do desenvolvimento, tinha se perdido na década anterior. Iniciava-se a luta por um tipo de democracia e de educação que atendesse os interesses das classes populares (Arroyo, 1986).

Mesmo com a atuação “às escondidas” dos movimentos sociais a partir de 1964 realizando as práticas de EP e mantendo vivas suas concepções pedagógicas, o novo cenário educacional brasileiro de 1980 configurava-se uma crise nos paradigmas da EP com relativa perda de força do discurso inicial da mesma, formando, ao longo da história, novos paradigmas. A revolução política, a queda do socialismo real e as mudanças ocorridas nesse período causam impactos na concepção de EP dos anos 80/90, deixando esta de ser a força maior para a revolução, de ser de classe para se tornar das classes sociais influenciadas pelas concepções gramscianas. Havia a necessidade de “ressignificar os papéis, os fins, os valores, os métodos, as dinâmicas e as relações entre sujeitos das práticas educativas” (Paludo, 2001, p. 154)

Assim, a criação da escola pública popular estava a um passo. Em São Paulo, Freire analisou a realidade e iniciou sua ação com um projeto de reforma político-pedagógica radical. Era preciso aumentar em quantidade, frente à situação real de descaso administrativo das escolas, aos salários baixos, a ausência de infra-estrutura e recursos materiais, mas também, e principalmente, era preciso melhorar em qualidade. Como em todo país, o sistema educacional passava (e passa ainda hoje) por crises institucionais e pedagógicas, de eficiência, de eficácia e de produtividade, ou seja, uma crise na qualidade.

Para reverter esse quadro em São Paulo, Freire propôs a democratização da gestão escolar com a integração escola-comunidade, a formação e profissionalização dos profissionais da educação (ele via todos os que fazem a escola como educadores) e uma reforma curricular. Freire objetivava a criação de uma escola democrática e cidadã, de comunidade e de companheirismo. Assim, os movimentos populares, a igreja e as universidades foram convidados e aceitaram aliar-se ao mutirão cívico-educativo para criar a escola pública popular.

Os princípios da EP escolar eram: produção do conhecimento pelo conceito geral de problematização; redefinição das áreas de conteúdos lançando mão da pedagogia de projetos e da interdisciplinaridade a partir de tema gerador; representação da compreensão e orientação do currículo escolar para tornar o conhecimento dinâmico e nunca encerrado; transformação das relações entre educadores e educandos na dialogicidade e na integração do conhecimento sistematizado e conhecimento popular; e a alteração do papel desempenhado, o indivíduo como autor de sua inclusão, ou seja, o protagonismo social é a atual meta da educação popular. Por essa concepção, o próprio excluído deve estar apto a buscar aquilo que lhe é de direito. Cabe ao educador popular despertar esse sentimento em sua comunidade.

Hoje, no entanto, nos parece que a EP continua em movimento de encaixe ou de encontro com outros espaços, principalmente os formais estatais. Segundo Carlos (2005, pp. 11/12), há “atualmente na América Latina, uma tendência de ampliação do campo semântico bem como dos espaços de efetivação da EP, mesmo no seio daquelas práticas educativas centradas na ideologia da defesa dos interesses das classes populares”. Assim, a luta assumida por educadores populares na atualidade é por uma educação pública de qualidade, democrática e cidadã. Como confirma Gadotti (2000), os educadores populares que permaneceram fiéis aos princípios da EP estão atuando principalmente na educação pública popular, no espaço conquistado no interior do Estado.

Mas, a necessidade de construir uma democracia integral e uma cidadania ativa perpassa por novas práticas de exercício do poder dentro de uma cultura político-democrática (Pontual, 1998). Os valores e a ética são essenciais para a formação dessa cultura política.

Nessa perspectiva, um dos grandes desafios para a educação popular é justamente a coerência entre o discurso e a prática como exigência ética num contexto de conseqüências perversas do neoliberalismo, tanto sociais, econômicas e políticas. Para isso é preciso humildade, tolerância e esperança.

Sobre esses aspectos, Freire também contribui significativamente. No seu livro “à sombra dessa mangueira”, ele assim se refere a nossa sociedade:

“(...) uma sociedade desafiada pela globalização da economia, pela fome, pela pobreza, pelo tradicionalismo, pela modernidade e até pós-modernidade, pelo autoritarismo, pela democracia, pela violência, pela impunidade, pelo cinismo, pela apatia, pela desesperança, mas também pela esperança”. (1995, p.59)

É nessa realidade descrita que se encontra a educação popular e o desafio de uma prática político-pedagógica dos educadores para a formação de uma cultura político-democrática e cidadã das classes populares. Nesse sentido, Freire (1995, p. 73) nos fala que “humildade e tolerância são fundamentais”. Humildade para aceitar que existem outras verdades e tolerância para aceitar e crescer na diferença.

Construir uma escola pública popular é ampliar as aspirações educacionais populares aliadas a reorientação política do nosso país, é adotar para a educação escolar um currículo pensado na população. É fazer uma escola que para Freire (1991, p. 43): “estimula o aluno a perguntar, a criticar, a criar, onde se propõe a construção do conhecimento coletivo, articulando o saber popular e o saber crítico, científico, mediado pelas experiências no mundo”.

Concordo com Souza (1997) quando ele afirma que a perspectiva para a educação popular é a do fortalecimento dos processos pedagógicos para aumentar sua contribuição na construção dos poderes locais e globais a fim de ampliar a força cultural, fundamentar o sentido mobilizador dos valores da justiça, da solidariedade e da igualdade. Assim, haverá a construção de um poder ético em meio a uma integração social sem exclusões.

É nesse contexto atual que algumas questões sobre política social, diferenças sociais e práticas nas escolas vêm à tona e nos convidam a novas reflexões. Uma delas, por exemplo, é levantada por Henry e Roger (1994): como lidar com a diversidade e as diferenças sociais em termos intelectuais, emocionais e práticos? Eis aqui outro grande desafio para a educação popular: formar a consciência de viver democraticamente em uma sociedade plural e fazer a pedagogia crítica, levando todos a uma discussão crítica, sem cair na desesperança ou na sensação de impotência. Ou ainda mais profundo: formar a consciência de viver democraticamente em uma sociedade impregnada de exclusões, levando todos, além da discussão crítica, a uma prática inclusiva.

A educação popular ao cruzar a fronteira da escolarização, busca o resgate da cidadania e a necessidade de inclusão em todos os sentidos.

Referências:

ARROYO, Miguel G. (Org.) Da escola carente à escola possível. São Paulo: Loyola, 1986. (Coleção Educação Popular).

BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é o método Paulo Freire. São Paulo: Brasiliense, 1981.

CARLOS, Erenildo João. Semânticas da educação popular. In.: http://www.anped.org.br/25/excedentes25/erenildojoaocarlost06.rtf [acesso 10/08/2006]

FREIRE, Paulo. A educação na cidade. São Paulo: Cortez, 1991.

FREIRE, Paulo. À sombra desta mangueira. São Paulo: Olho D’água, 1995.

GADOTTI, M. Perspectivas atuais da educação. Porto Alegre, Ed. Artes Médicas, 2000.

GIROUX, Henry e SIMON, Roger. Cultura popular e pedagogia crítica: a vida cotidiana como base para o conhecimento curricular. In.: MOREIRA, Antonio F. e SILVA, Tomaz Tadeu (Org.) Currículo, cultura e sociedade. São Paulo: Cortez, 1994.

PAIVA, Vanilda. Perspectivas e dilemas da educação popular. Rio de Janeiro: Graal, 1986.

PALUDO, Conceição. Educação popular em busca de alternativas: uma leitura desde o campo democrático e popular. Porto Alegre: Tomo Editorial, Camp, 2001.

PONTUAL, Pedro. A contribuição de Paulo Freire no debate sobre a refundamentação da educação popular. In,: Revista de Educação AEC. Ano 27, nº 106, Jan/Mar.

SOUZA, João Francisco. Que educação é direito de todos? In.: Revista de Educação AEC. Ano 26, nº 105. Out/Dez.

por RITA CRISTIANA BARBOSA

(http://www.espacoacademico.com.br/078/78barbosa.htm)